terça-feira, 27 de junho de 2023

O QUE HÁ DE TRASFOBIA EM MIM

 

O QUE HÁ DE TRANSFOBIA EM MIM?

 

Escrevo esse texto porque eu* fui taxada de transfóbica quando fiz um comentário sobre uma matéria veiculada na imprensa. Isso se deu em um grupo de artistas, que possivelmente poderia ser considerado um grupo sem tantas censuras quanto os demais. Ledo engano se isso passou pela sua cabeça!

A matéria a que me refiro era um vídeo, divulgado por Carlos Bolsonaro em que uma atleta internacional dizia não ser justo que atletas transexuais concorressem com atletas cisgênero, ultrapassando recordes duramente conquistados por essas mulheres. A justificativa era de que elas tinham estruturas corporais mais preparadas para as competições e é sabido que alguém que nasceu com uma estrutura física de um corpo masculino, mesmo que não se identifique com aquilo que social e equivocadamente é tratado/taxado como um corpo masculino, está mais capacitade para a prova, logo, sai com vantagem sobre as demais competidoras.

Vejam, estou longe de ter qualquer pessoa dessa família como referência, sequer antiintelectualmente, no entanto, não sou do tipo que diz não a tudo o que vem da boca dos ignorantes. Professora de Matemática e Linguagem que sou, sei bem diferenciar inteligência de ignorância e ambas de maulcaratismo. Sou uma daquelas pessoas que busca ter uma opinião própria sobre qualquer declaração, independentemente de quem o noticia ou, pior ainda, a divulga. Mas essa mensagem me foi enviada através da cópia de um link desse citado “cidadão”. E por falar em inteligência, não sou burra o suficiente para não ter plena consciência de que o objetivo da postagem era desmerecer as pessoas trans. Tenho a intenção consciente e pessoal de analisar o que ouço e extrair disso uma ideia própria, de que não preciso viver uma situação para imaginar o que sentiria se passasse por ela, embora não possa saber precisar o que eu faria e, principalmente o que pensou e sentiu quem a viveu em seus corpos e almas. Não preciso estar em uma paisagem retratada em um cartão postal (sim, sou da época dos cartões postais e mesmo depois que muitos se esqueceram deles, continuem os enviando quando viajava) para declarar: “Esse lugar é bonito, quero ir conhecê-lo”. Obviamente essa situação é muito mais simples e meramente ilustrativa daquela que é o tópico que desencadeou esse texto. Sou alguém que nasceu em uma família ista: racista e machista entre outras tantas “qualidades”. E obviamente homofóbicas, quando o termo sequer existia. Mas como tenho alma rebelde, deixei essa família ainda menor de idade para viver o mundo segundo as minhas próprias regras e desde então tenho feito um exercício constante de empatia por pessoas vítimas dos mais variados preconceitos (gordofobia, capacitismo, xenofobia etc). Isso se deu há cerca de 46 anos! E quando fui acusada de ter uma transfóbia, tinha 63 anos e, há quase 10 anos, tinha escrito textos semelhantes, como os de títulos “O que há de racismo em mim”, “O que há de homofobia em mim.” Isso porque, obviamente, o fato dos padrinhos que escolhi para a minha única filha serem um casal homossexual com um dos parceiros negros, não significa que não haja situações em que eu me flagre com pensamentos ou atitudes racistas e/ou homofóbicas. 

Até hoje me pergunto: “Por que a maioria de seus amigos são heterossexuais?” “Por que os negros são expressiva minoria dos seus amigos”. “Porque você, que teve tantos namorados, nunca beijou um homem negro”? Tenho alguns palpites que não estão no campo da biologia mas da cultura.

É preciso fazer um parêntese para dizer que até hoje é preciso colocar os meus neurônios para funcionarem quando vou explicar o significado da sopa de letras que é a sigla LGBTQIA+, eu que me sentia bem instalada no bando dos S (simpatizantes) quando a sigla para designar essas pessoas era LGBTS, especialmente porque ela vem sempre aumentando, como um arco-íris e entendo isso. Há pouco tempo acrescentou-se mais duas letras ao termo que ficou sendo LGBTQIAPN+ e justamente por ter feito o curso ao qual me refiro, não foi preciso ler para saber  que o P se referia a pansexuais e o N a não-bináries.

A minha sorte é que, como sou uma pessoa que gosta de aprender, ao me aposentar, depois de ter me formado em Bacharelado e Licenciatura em Matemática, em Letras e fazer 2 pós-graduações, voltei para a UFBA fazendo Bacharelado Interdisciplinar em Artes, que abandonei há um ano porque estava sendo ameaçada de jubilamento por ficar fazendo disciplinas fora da grade curricular (isso que você leu, mesmo que o termo tenha mudado, há “grade” curricular no BI que está longe de ser interdisciplinar, mas isso é assunto para outro texto). Agora tive que aprender mais 2 letras, mas como fiz a disciplina Oficina de Leitura e Escrita II, com a professora Isadora Machado, e fiz questão de fazer um trabalho sobre o grupo de pessoas sobre as quais eu menos sabia, optei por estudar não, trabalhadores, indígenas ou negres, mas aqueles que sofrem preconceitos por razões dessa ordem. É imprescindível esclarecer que eu já tinha quase 60 anos quando tive contato com uma mulher trans e isso se deu justamente na minha equipe de trabalho. Como o tema me despertou interesse, depois disso frequentei aulas de um curso sobre ema ministrado por um homem trans. 



Acho que é melhor parar por aqui, não porque não haja outras coisas a serem ditas, mas porque dado ao seu tamanho, esse texto não será lido por quase ninguém, considerando que estamos na época dos clicks e likes em news virtuais que, na maioria das vezes, são fakes. Quanto ao tema que gerou essa acusação sobre mim por alguém que provavelmente sequer sabia o meu nome, foi a guerra entre nadadoras femininas e transsexuais. Apenas tendo lido um pouco sobre a alegação de ambas as partes, mesmo sabendo do tratamento de que me fez concordar sobre a alegação da atleta, considero que a contra argumentação de que as atletas trans passaram por tratamentos hormonais que buscam neutralizar os efeitos dos hormônios em seus corpos, não me parece justificar a colocação de ambas as categorias em um mesmo competição, visto que o fato de que em grande parte de suas vidas as atletas trans tinham corpos masculinos ou femininos, o que não se resume  à genitália. Estarei eu certa ou errada? Não sei. Uma das teorias científicas do nosso tempo diz que não? O que outras dirão no futuro. Também não sei.  Confesso que não li nenhum artigo científico sobre o assunto. Por isso mesmo, pedi ao meu interlocutor que se dizia conhecedor, que  me instruísse nesse sentido, mas ele apenas continuou me destratando.  A assertiva " a ciência prova não é o bastante para mim. Afinal, a ciência é processo e está sujeita a contingências do seu tempo e a influências de interesses econô,icos e políticos dele. Por fim, quero dizer que se alguém que leu esse texto quiser ler o trabalho da equipe de que participei sobre o que dizem os dicionários – preconceituosos em sua maioria - acerca dos termos “travesti”, “homossexual”, heterossexual”, “transsexual”, “bissexual”, “assexual” etc, pode entrar em contato comigo que enviarei o pdf dele. O último ponto é declarar que terei de voltar a revisar mais cuidadosamente este texto porque o software que utilizei para digitá-lo marcou como erro todos os termos escritos com o “e” e não com binarismo “a” e “o”!

·         Meu lugar de fala, digo, de escrita, é de uma mulher cis.


quarta-feira, 8 de março de 2023

O QUE HÁ DE MACHISMO EM MIM

 

                 

    Nasci de um homem muito machista casado com uma mulher de 18 anos, 13 anos mais jovem do que ela. A minha mãe era uma mulher muito forte e, em alguns assuntos, à frente do seu tempo. Essa mulher, ficou viúva com 35 anos, mas o machismo estava tão internalizado nela que consentiu que ele limitasse o seu futuro: não se permitiu viver uma nova relação, continuar os estudos e constituir uma carreira, usar roupas decotadas etc. Sei que era uma feminista, sem se permitir ser, porque aprendeu a dirigir sozinha, fotografava sem ter tido um curso e me levou ao único psicólogo da cidade para que eu fizesse terapia quando começamos a ter atrito na minha adolescência etc. Meu pai tinha poucos recursos financeiros e ela era uma herdeira de fazenda e outros bens, e, embora contrariada, deixou que ele administrasse os seus bens como bem quis.  A frase que demonstrava a sua ânsia de liberdade, sua sede de ocupar um lugar no mundo menos subjugado, jamais esqueci: “Vá estudar pra não depender de homem!” Está aí o gérmen que brotou em mim o desejo de educar os meus filhos para que contribuíssem para um mundo mais igualitários entre os gêneros.



    Comecei desejando que fosse uma filha a primeira criança que eu poria no mundo, não só porque ela teria uma maior atenção de todos da família, mas também porque temia que sendo um filho, ele se sentisse no direito de controlar a irmã. O universo não quis facilitar as coisas para mim. Tive um filho e só depois, uma menina. O que fiz para que ao menos a minha família não fosse uma réplica do poder dos homens sobre mulheres? Talvez o tenha feito mais por atitudes inconscientes do que conscientes e o maior exemplo deve ter sido a relação de respeito que eles compartilhavam com os seus pais. Eles têm conhecimento de que antes de o conhecer, morei sozinha desde os 18 anos, era motociclista, viajava sozinha etc. Além disso, sabem que era 5 anos mais velha do que ele, que dirigi antes dele, que já tinha vida sexual quando o conheci, que tomei a iniciativa do namoro, que mantive contato com os meus amigos e alguns ex-namorados, que o pedi em casamento depois de 25 anos de relacionamento, que jamais permiti que ele controlasse as minhas iniciativa ou desse palpite na minhas roupas, que manifesto tudo o que me desagrada na relação, que dividimos as despesas, que conversamos e decidimos conjuntamente todas as coisa relativas à família, que nos admiramos, nos encorajamos e partilhamos projetos e sonhos. Entre as conscientes, destaco:


   

 Não permitimos que seu irmão a desrespeitasse;

    Validamos igualmente a fala e os sentimentos dos dois;

    Damos suporte aos planos e anseios de ambos;

   Começamos a dar mesadas a ambos desde cedo para que aprendessem a administrar algum recurso financeiro;

    Requisitamos ambos a assumirem as responsabilidades pelas tarefas domésticas;

    Permitimos que ela trouxesse seu namorado para dormir em seu quarto, do mesmo modo que fizemos

     quando ele quis trazer a namorada;




    No entanto, estou ciente de que ainda foi muito pouco e não só por responsabilidade do pai, mas minha também. Em meus pulmões resistem resíduos do machismo estrutural e vez ou outra me vejo falando ou tomando atitudes que demonstram o quanto o machismo persiste em mim como erva daninha a exigir capina diária. Talvez eles consigam dar uma educação feminista aos seus filhos... Não sei se conseguirão. Provavelmente não, se no caldo cultural persistir o amargor inerente à secular estrutura patriarcal, mas tenho o alento de que eles conseguirão ir além de mim e afinal é para isso que damos continuidade à raça. 


 



sexta-feira, 3 de março de 2023

PROJETO MEXERAM COM TODAS

 

MEXERAM COM TODAS

As mulheres são alvo de violências em todas as partes do planeta, seja na Síria, no Brasil ou no Sudão. O que muda então? Mudam a intensidade e a forma, mas a dura realidade de ser mulher em sociedades patriarcais não mudou ainda não.

Segundo a bíblia, o mundo foi feito por intermédio do verbo. As coisas começam a partir da palavra: pensamos com a palavras, sonhamos com palavras, desejamos com palavras, colocamos o desejo no mundo através da palavra e, só depois, o que era palavra se materializa em algo mais concreto do que ela. No entanto, a palavra pode ser veículo de utopias ou de distopias, de opressão ou de libertação. O projeto “MEXERAM COM TODAS” tem na palavra nas formas oral e escrita o seu instrumento transformador. Através dela visamos encorajar mulheres a tomar consciência dos acontecimentos em que foram desrespeitadas apenas por serem mulheres em um ambiente de machismo estrutural, para que a partir de seus relatos, possam buscar caminhos para trazer para o real a possibilidade de um mundo mais igualitário entre homens e mulheres.



Nesse sentido, em agosto de 2022, realizei a realização a oficina"Escrita Terapêutica para Revelar e Combater a Violência de Gênero", no III Encontro Nacional de Mulheres do SINASEFE, na cidade de Fortaleza.   Nela, convidei 40 mulheres a escreverem um relato de uma situação de violência que sofreram, misturei os textos sem identificação de autoria e os distribuí aleatoriamente. Cadastrei todas elas em um grupo no whatsapp de nome “Mexeram com todas” e pedi que nos enviassem áudios lendo os relatos recebidos. Desse modo, visava estimular a sororidade em todas nós.

Para que esses relatos nao ficassem restritos ao pequeno grupo e fossem ouvidos por pessoas de todos os gêneros iniciei a Etapa 2 do projeto "Mexeram com Todas". Assim, para marcar esse Mês da Mulher de 2023, de uma forma menos folclórica e mais reflexiva, em cada um dos seus 31 dias, um  relato está sendo divulgado sem identificação da autoria do texto nem da voz que o lê.    Penso que essa é uma boa iniciativa para marcar a necessidade de luta pelos direitos da mulher, tão ameaçados nos últimos anos, inclusive com o aumento do número de feminicídios.  Considero que, mais do que engrandecer a beleza e força femininas, é necessário que outras mulheres que sofreram ou sofrem abusos se fortaleçam para denunciá-los, deixando claro que a dor de uma de nós mobiliza a nossa dor, assim como a força de uma fortalece todas. Os podcasts com os relatos podem ser ouvidos no Spotify. Sua repercussão sinaliza que é preciso dar continuidade a ele, orientando novas oficinas e, com a permissão das participantes, tornando público os seus resultados. A quem considerar relevante a iniciativa, solicito que participem do projeto, seja enviando textos, gravando outros ou apenas divulgando o projeto.


terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

UM NÃO QUE ERA SIM?

UM NÃO QUE ERA SIM?

                                                                                                 
 Ainda lembro bem. De mãos dadas e usando mortalha iguais, seguíamos uma banda no bloco. Quando passamos na frente do clube mais antigo da nossa cidade,   encabulada,   rompi o silêncio e disse: “Hoje é meu aniversário”,   ao que ele   respondeu:  “É o   meu também”.   Descobri que não mentia, décadas depois,  quando  me  enviaram o  link  do seu  perfil  no  facebook. Em algumas  fotos  antigas  era  exatamente  como eu o conhecera: bonito, de cabelos longos.


Como sou uma nostálgica e romântica inveterada, sempre cultivei as lembranças daquele primeiro amor que foi totalmente platônico. Além das mãos, a maior intimidade que tivemos foi no dia em que eu andava de bicicleta próximo à sua casa, seus amigos seguraram a minha bicicleta, ele me deu um beijo no rosto e saiu correndo.  Fora isso, eram sempre danças em carnavais ou festas de réveillon em que, calados, brincávamos no salão circular ao som de marchas de carnaval. No final, ele sempre me pedia em namoro e, como de era posto na moral social para as moças direitas da época, eu dizia que iria pensar.  Eu  bem sabia que  a minha resposta compulsoriamente seria um NÃO, mas durante o intervalo solicitado para pensar, gostava de sonhar que poderia ser um SIM. Um SIM que os meus pais jamais permitiriam, claro. 

  A paixão entre nós era conhecida na cidade. Lembro de uma conversa entre          meu pai e cerca de oito amigos na sala de nossa casa, em que me diziam: com o    filho de (nome do pai dele), não.Você pode namorar com o filho de Fulano ou     Beltrano, ambos, obviamente, amigos do meu pai e presentes na sala. A mim     restava apenas   ouvir.  Só a   perplexidade com os comentários era diferente   naquele meu hábito de só ouvir.


A tecnologia foi tornando cada vez mais fácil uma comunicação entre nós. E eu confesso que gostaria de lhe perguntar sobre o que foi para ele aquela experiência tão ingênua, de talvez rirmos juntos dos costumes da época etc. Tenho uma curiosidade de saber como o outro me via, que impressão tinha da minha realidade, como interpretava o meu comportamento... Talvez isso se dê só por uma necessidade de conhecer o meu passado para melhor compreender a argamassa que compõe as paredes que dão sustentação àquilo que sou hoje. Há muito sei que aquela pessoa não combinava com o ideal de companhia que, já naquela época, eu queria para mim. Mas ainda acho estranho não ser possível sequer uma conversa amigável, com uma pessoa que por anos foi o motivo dos meus suspiros juvenis.



Agora que ele já não tem cabelos e eu já não chamo a atenção, quando entro no salão, as  novas  tecnologias  me  permitem  constatar  que  nos  tornamos seres totalmente antagônicos em termos de valores e visão de mundo. E eu me pergunto em que circuito da festa momesca, o que foi paixão se tornou apenas serpentina no chão e suponho que aquele “NÃO” era mesmo para ser “NÃO”.


segunda-feira, 28 de novembro de 2022

A LOUCURA DAS PALAVRAS


 

Se substituída por um sinônimo, uma palavra nem sempre tem o mesmo significado. Ele pode sugerir outro sentido, algumas nuances a mais, mudar a intensidade, soar estranho etc. É isso o que acontece com “histeria”. Qualquer busca, seja em dicionário físico ou virtual, vai te levar a sinônimos como “nervosismo”, mas os exemplos serão quase todos no feminino. Quando você escutou a frase: “Ele está histérico!”? Compare com a frequência com que ouviu a mesma expressão associada às mulheres. E convenhamos, dizer que alguém está nervoso não tem o mesmo peso que dizer que essa pessoa está histérica, não é mesmo?

Na antiguidade, o termo “histeria” foi cunhado a partir da palavra “útero” e em seu livro “Estudos sobre a histeria”, Freud apresenta os resultados de estudos com 5 pacientes: Anna, Elisabeth, Emmy, Lucy e Katharina. O livro foi publicado em 1895 e desde então, embora o conceito psicanalítico da histeria tenha evoluído bastante, até hoje o adjetivo correspondente continua sendo associado às mulheres. Por que isso se dá? Certamente não é só pelo desconhecimento da evolução desses estudos, mas porque não houve tanta evolução no modo como é avaliado e controlado o comportamento feminimo.

As mulheres não ficavam simplesmente nervosas, ficavam histéricas. E sendo a histeria considerada uma patologia era fácil recorrer à internação para conter seus comportamento e corpos considerados socialmente inapropriados.  Esse é o tema de projeto da poeta Isabela Penov, aprovado pelo Itaú Cultural. Isabela fez uma pesquisa em arquivos de manicômios brasileiros dos últimos 100 anos nos quais observou que os diagnósticos e internações de mulheres eram feitos tendo como base os relatos de seus pais, maridos e irmãos. O projeto incluiu uma live em que a psicanalista Monik Sittoni discutiu a relação entre o feminino e a Psicanálise e outra de título “Mulheres no Avesso da Razão” com as escritoras Micheliny Verunschk e Yonina Staseviska, além de uma oficina de escrita com mulheres de várias cidades do país. Eu tive a satisfação de partilhar a experiência com essas mulheres. Mulheres que têm em comum não só a experiência de sofrer o estigma da loucura feminina, mas também o uso da palavra como um remédio para suas dores. Os textos resultantes da oficina estão reunidos no “Manual Prático de Desvarios”, disponível no link abaixo:

                                           Manual Prático de Desvarios

No dia 04/12/22, no Instituto Sarath, em São Paulo, Isabela Penov fará o lançamento do livro "Compêndio para Moças de Olhares Lânguidos", resultado desse trabalho. Um programa para quem não tem medo de encarar as irracionalidades da nossa realidade e seu reflexo nos campos mais sutis como o das palavras. 


quinta-feira, 19 de maio de 2022

EU GOSTO DE SER MULHER

 
"EU GOSTO DE SER MULHER...`"
MARINA LIMA




Na semana passada eu estava dirigindo e em um programa da rádio Nova Brasil eles pediam aos ouvintes que mandassem mensagem dizendo que músicas os definiam. Imediatamente eu pensei em ”O lado quente do ser”. Há várias músicas que falam de Veras, entre elas tem "Paula e Bebeto" que é animada como eu sou, por natureza. Quando eu fazia Matemática na Ufba, me chamavam de Vera Gata por conta da música de Caetano, mas essa me define melhor. Pelo que me recordo é uma música de Marina Lima. Ainda guardo o disco vinil com capa P&B em que ela a lançou. Maria Bethânia gravou uma versão um pouco diferente, mas igualmente bonita. Também me lembrei de um fato que aconteceu em uma sapataria junto ao Forte de São Pedro. Isso se deu há uns 40 anos e à época eu morava nas proximidades. Eu cantarolava essa música enquanto experimentava uma sandália e a pessoa que me atendia perguntou se eu sempre cantava. Eu lhe respondi que sim e que quando não estava bem, eu cantava  músicas tristes. Não é verdade. Eu adoraria, mas não é  verdade. A tristeza muitas vezes me emudece. Nas piores fases não escrevo, não leio e, obviamente, não canto.  Por vezes sequer ligo o rádio do carro.  
Chico Buarque definiu muito bem esse estado em Roda Viva: ”Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu...”. É uma pena que eu me concentre mais no início da música e não no seu refrão que afirma que o mundo roda em um instante. Mas faço sessões de musicoterapia e já aconteceu de  sair melhor apenas ao ouvir o profissional dedilhando uma canção qualquer ao violão, porque a minha miopia mental a apagara do horizonte, e foi renovador conseguir corrigir o foco. Por isso sou muito grata aos musicoterapeutas Luiz Flávio Prado e Renan Ribeiro.  
Ahh, eu gosto de sua uma mulher que mostra mais o que sente, mas nunca quis ser bailarina. A minha grande frustração é não ser cantora. E nem precisaria ser tão maravilhosa quanto Marisa Monte, bastava que ao cantar eu me transportasse para um vilarejo onde pudesse andar e voar!


PRA ACALMAR O CORAÇÃO, LÁ O MUNDO TEM RAZÃO..."
Marisa Monte


 



domingo, 31 de outubro de 2021

HALLOWEEN NO BRASIL?

 


O texto abaixo foi escrito e publicado no jornal estudantil "Lente Azul", no Cefet-Ba em outubro de 2004:. Eu o republico aqui porque ainda me parece atual.

HALLOWEEN NO BRASIL

Conhecer, sim. Imitar, não. Na entrada do Supermercado Bom Preço do Canela, existia uma loja com um pequeno letreiro onde estava escrito “SEW & HEEL (QUICK)’. Achei curioso encontra, na Bahia, uma loja com o nome totalmente em Inglês e me perguntava quem procuraria os seus serviços, uma vez que a grande maioria da população brasileira mal sabe ler. Depois de algum tempo, voltei ao local e vi queo letreiro da loja fora substituído por dois maiores que continham a expressão “Sapataria do futuro”. É bom explicar que o verbo “to sew” significa costurar, que “Heel” significa salto e “Quick”, observem bem, não “Qwik”, pretendia expressar que o serviço era rápido. Eis um letreiro cuja mensagem não cumpria o seu objetivo de informar e persuadir. Sempre conto essa pequena história e pergunto aos meus alunos se eles procurariam a loja caso lessem o primeiro letreiro ao que me respondem que não, por não saberem de que se trata. Olhem que eu faço a pergunta para estudantes do Ensino Médio ou de Cursos Profissionalizantes. Imaginem o que significa tal letreiro para a grande parte da população baiana, que não teve as oportunidades educativas deles. Essa é um bom exemplo do uso da língua estrangeira como elemento de exclusão social. Como professor Pasquale Neto, concordo que palavras em idiomas estrangeiros devem ser usadas quando não há equivalentes na língua portuguesa. A uso da língua é um dos elementos que definem a nossa identidade pessoal, a nossa identidade cultural e os nossos valores. Não se trata aqui de defender a proibição do uso de estrangeirismos, mas sim de evitá-los sempre que possível., visando melhorar a qualidade de nossa comunicação e valorizar a nossa cultura. Como professora de inglês compreendo que posso contribuir para o entendimento do mundo globalizado, onde o inglês é a língua de uso corrente, mas não considero ser de minha responsabilidade fomentar o estímulo ao seu uso em situações desnecessárias e até prejudiciais. Do mesmo modo, distingo bastante a necessidade de conhecimento de línguas estrangeiras daquele de importação de palavras e valores culturais estrangeiros. Porque ensino inglês, não vou “americanizar” os estudantes. Pelo contrário, sempre lhes propicio leituras e discussões que permitam uma análise crítica da realidade da superpotência do mundo atual, a exemplo do livro “Stupid White Man – uma nação de idiotas” de Michael Moore, um dos mais ferozes críticos atuais do estilo de vida americano (American way of life) cujos filmes “Booling for Columbine” (Tiros em Columbine) e Fahrenheit 11/09 foram bastante premiados nos últimos anos. Por tudo dito anteriormente, nunca promovi ou estimulei as iniciativas de halloween em nenhuma das escolas em que lecionei. Para aqueles que não conhecem a festa, trata-se da celebração, nos EUA, do dia das bruxas na véspera do Dia de Todos os Santos, na qual enfeitam-se as casas com abóboras ocas, e crianças vestidas de bruxas ou de outras figuras assustadoras visitam as casas, pedindo doces e ameaçando fazer malvadezas caso não sejam atendidas. Programo, para as últimas semanas de outubro, a leitura e discussão, em aula, do ensaio de Roberto Pompeu de Toledo na revista Veja de 06/11/96, cujo tema é belissimamente abordado: ”festejar halloween no Brasil é coisa de basbaques. Assim como saborear ”vanila”, vender “off”, despachar “delivery’. É coisa de imitadores. Ainda se fosse para imitar o que a civilização americana tem de fundamental, como o respeito à lei e á ética do trabalho, vá lá”, diz ele. Temos uma cultura muito rica e pouco valorizada, e não compreendo o sentido educativo de apenas reproduzi um evento cultural de outro país. Além do que, não se fala inglês só nos Estados Unidos, quase todo o sul da África fala esse idioma e, considerando a origem dos nossos ancestrais, seria mais sensato buscarmos conhecer, não imitar, as expressões culturais desses países. Querem fazer, não um Song Fest, mas um Festival de Música, um ciclo de filmes instigantes em língua inglesa, uma festa com reisado, capoeira e forró? Contem comigo. Mas se a proposta é holloween, como dizem os estudantes no nosso português da oralidade: “Tô fora!”